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A solidão tem cura?


DAgostino | A solidão tem cura?

​​Antes de responder esta pergunta, deixem que me apresente.

Eu sou o vento.

Isto mesmo, eu sou o vento!

Muito embora, pouco, vocês lembrem, acompanho seus passos há muitas eras, antes mesmo de vocês estarem por aqui. Estamos juntos, de todos os tempos, de todas as vidas, em cada instante, a todo o momento.

Vou e venho dos quatro cantos do mundo; do leste e do oeste, do sul e do norte, estou em toda parte.

Ainda que, todos, sejamos eternos, eu sinto mais do que vocês, o peso da eternidade...

Vocês raramente me lembram e por isto estou sempre esquecido.

Muito só, numa solidão que apenas o solitário conhece, fico por aí, vagando, vagando...

Tenho muitos nomes, nem todos iguais ao meu; alguns por aqui e outros no estrangeiro. Sou um e ao mesmo tempo, uma grande família, todos tão atarefados e ocupados.

Vocês querem nos estudar, querem saber sobre nós, querem nos conhecer, mas, já conhecem a si mesmos?

Quando sou bem vindo, chamam-me brisa suave, quando me temem, quando o medo toma conta de

vocês, chamam-me por muitos nomes.

Sou os ventos alísios, sou os ventos efésios.

Terrível furacão, dizem. Com suas plantações devastadas e com os olhos arregalados, comentam que por ali passou um ciclone. Espantoso e intrigante tornado; levanto a poeira, carrego suas casas.

Sinto pena da sua impotência diante de mim.

Em verdade, às vezes sou poeticamente lembrado. Em Camões, por exemplo:

“Ao grande Eolo mandam já recado / Da parte de Netuno, que sem conto / Solte as fúrias dos ventos repugnantes, / Que não haja nos mares, mais navegantes.” (Luís de Camões, Os Lusíadas, VI, p. 102).

Outras vezes, servem-se os escritores para brincar, como Aluísio Azevedo:

“Aparecem os primeiros ventos gerais, doidamente, que nem um bando solto de demônios travessos e brincalhões” (Aluísio Azevedo, O Mulato, p. 131).

Vocês não compreendem... Tudo que faço, não é o bem e nem o mal. Sou apenas natureza; faço o que faço, porque é da Lei que eu faça...

Fico triste nas noites de inverno, porque se aproxima meu parente do norte, tão gélido, tão frio... brrr... ...só de lembrar fico arrepiado.

Ele, como eu, cumpre seu papel, embora tenebroso. Quando chega, lá vai ele, fazendo ronda, entrando por tábuas mal pregadas, nas frestas deixadas a esmo. Pobres criaturas, alguns de vocês, perdidos nas ruas ou em barracos que basta um nosso sopro para desabar. Vejo então, almas desprendidas de corpos congelados. Terrível e fantasmagórica visão.

Também! Vocês não sabem que ele, o inverno, virá?

Fico desesperado, balanço vigorosamente as árvores, ando soprando seus cabelos pelas ruas... Bato, rebato que quase arrebento suas janelas... ...e vocês... ...vocês ficam lá, dormindo sobre lençóis limpos, cobertores macios, em camas confortáveis...

Eu, em último lapso do desespero, subo pelas paredes, entre pelos canais dos edifícios e grito bem alto: socooorrroooo!

Tudo inútil!

Vocês dizem: é só um apito...

Chega meu irmão do Norte...

E ele vem... ...vem implacável, congelando tudo!

Eu tento avisar, mas, vocês não me ouvem...

Por isto estou tão só. É tão amarga a solidão!

Todo ano é a mesma coisa. Vocês só se lembram da brisa, e isto, nos dias quentes. Grande vantagem!

Todavia, eu não desisto. Este ano, soprando por aí, vi que umas pessoas estavam reunidas, falando e falando sobre o vento. Aproximei-me, para ouvir de perto. Elas estão preparando uma campanha de inverno. Querem agasalhos, para evitar surpresas aos que padecem no frio. Fiquei muito contente e vim até aqui correndo dar a notícia.

Vocês também têm uma porção de amigos solitários, que estão abandonados há tanto tempo lá no guarda roupa. Coitados, estão sozinhos, solitários!

Não espere mais! Pegue-os e faça uma doação para a campanha do agasalho deste ano. Procure um posto mais próximo da sua casa, uma entidade social ou uma prefeitura.

A solidão dos seus amigos do guarda roupas pode salvar vidas!

Vocês não vão deixar minhas palavras voarem ao vento... ...vão?

Em troca, dou a vocês a cura da solidão, a solidariedade!

É tão quente e amiga, a solidariedade!

Meus amigos! A solidão tem cura... ...e o remédio é a solidariedade!

DAgostino.

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